terça-feira, 17 de dezembro de 2013

o importante é importar-nos...



Tenho uma pessoa, um conhecido, não sei muito bem como o classificar, sei que temos de ter as pessoas arrumadas e catalogadas mas, nem sempre é fácil. A pessoa em questão não é minha familiar, não partilhamos o mesmo sangue, não é minha colega, não partilhamos o mesmo trabalho ou  escola, tão pouco a faixa etária, não é minha amiga, não partilhamos confidências. É meu semelhante, é uma pessoa como eu. Essa pessoa tem sido muito mal tratada pela vida. Essa pessoa não tinha uma rede de apoio e simplesmente se deixou ir. Entregou-se ao álcool, teve um acidente com sérias repercussões na sua saúde, perdeu o emprego, perdeu os bens que tinha, foi abandonada pela família. Essa pessoa sobreviveu. Essa pessoa, teve pessoas, seus semelhantes, que lhe deram a mão. Mexeram-se uns pauzinhos e conseguiu-se vaga numa clínica para uma desintoxicação. Mais uns pauzinhos e a segurança social atribui-lhe uma casa, um subsídio de sobrevivência, o acesso a um centro de dia com alimentação garantida. Uma ou outra influência, aqui  ali e a seguradora lá pagou uma indemnização, saiu a reforma por incapacidade. Essa pessoa era agora uma pessoa com dignidade, recebia o seu próprio dinheiro e pôde arranjar a sua casa. E, após todas estas conquistas, a família voltou. Essa pessoa tinha agora netos, por quem se apaixonou imediatamente. Essa pessoa pediu perdão às filhas por as ter abandonado, sem nunca ter questionado se não teria sido essa pessoa a ser abandonada. Tudo parecia estar bem. 
Mas a vida só é cor de rosa no reino da fantasia. Primeiro uma das filhas perdeu o emprego, depois a outra. Vieram os problemas financeiros e tinham ali, mesmo à mão essa pessoa. Essa abriu o seu coração, a porta da sua casa e a sua conta bancária para quem outrora a abandonou.
Ontem, recebi um telefonema a dizer-me que essa pessoa voltou ao álcool, teve uma queda aparatosa, foi parar ao hospital. Uma vez mais fomos ter com essa pessoa, não lhe passamos a mão na cabeça, pelo contrário, berrámos, xingámos, só não batemos porque seria cobardia. Fizemos isso porque nos importamos e fizemos questão de deixar isso bem claro. Essa pessoa chorou à nossa frente. Não somos família, não somos amigos. Somos semelhantes e importamo-nos. Importamo-nos com o bem estar dos nossos semelhantes, importamo-nos que alguém não tenha uma rede de apoio. Todos nós merecemos ter alguém que se importe, que nos estenda a mão, que esteja presente, que nos puxe do lodo que nos afoga. E essa pessoa pode muito bem ser aquela que não tem direito a classificação na tua vida.

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