domingo, 14 de outubro de 2012

momentos que nos moldam...

 
 
 
Ontem o dia foi diferente. Confesso que os planos iniciais metiam shopping e renovação do guarda roupa mas, um convite inesperado mudou-me as voltas. Fui convidada por um amigo a conhecer a Casa da Criança da Associação de Apoio à Criança. Confesso que desconhecia esta instituição em pleno centro histórico de Guimarães.Tantas tardes e noites passei na Praça Santiago, sentada na calçada de copo na mão, em conversas animadas e gargalhadas sonoras, ignorando o facto de que aquelas paredes escondem uma realidade  tão difícil de aceitar. Começamos por conhecer as instalações, uma casa antiga, cedida pela Colegiada da Oliveira, que foi recuperada para ser o lar daqueles que não o têm. Visitamos os quartos dos meninos, as casas de banho com todos os objectos etiquetados com o nome e devidamente perfilados. A luz que invadia a casa, assim como as cores que coloriam os quartos, conferiam àquelas paredes frias em granito um ar acolhedor. Chegamos ao berçário e ao contacto directo com os bebés. Aqui foi impossível conter as emoções que borbulhavam cá dentro. Aqueles olhos cheios de brilho, os sorrisos abertos, a alegria contagiante. As lágrimas corriam-me pela face enquanto brincava com as bebés que,  despertas e arrebitadas esperavam pela próxima mamada. Só lá estavam as meninas. O D., o único homem do berçário, tinha ido passear com um casal de voluntários, para espairecer das meninas que, ao que parece, tornam a vida deste D. Juan de olhos azuis e cabelos dourados, um pouco atribulada. Afinal, não é fácil aturar 4 mulheres, mesmo que tenham poucas semanas de vida...
Foi difícil abandonar o berçário mas, a visita tinha de continuar. Seguimos então para o jardim, um espaço fabuloso, bem apetrechado onde as crianças brincavam e desfrutavam do sol, indiferentes ao seu infortúnio. As gargalhadas e o riso contagiante deram-nos as boas-vindas. Depressa se ultrapassou a vergonha inicial e os convites para brincar choveram. É impressionante a capacidade de adaptação destas crianças que, apesar de terem já sofrido às mãos de adultos pouco escrupulosos, não guardam rancores e depressa se entregam mesmo a quem acabaram de conhecer. O convívio com elas, mesmo que efémero, mostra-nos que são crianças absolutamente normais, apesar do estigma que carregam. Somos então assaltados por uma fúria, uma revolta, uma palavra que, em tons neon, pisca no nosso cérebro ensandecendo-nos: Porquê?? O que é que estes anjos fizeram para merecer isto. Porquê eles? Porque é que eles têm de passar por isto? Porque é que a vida é tão injusta? Porque é que há seres humanos tão cruéis? Se é certo que alguns deles encontrarão uma família que os saberá amar e compensar por esta tremenda injustiça, outros há que deambularão toda a sua infância e adolescência por instituições destas. E o lugar deixado vago por uns será ocupado por outros, pois estas injustiças perdurarão para sempre.
Eu não estava preparada para o que experenciei dentro daquelas paredes. A mulher que saiu pela grande porta verde no nº44 da rua de Santa Maria não é a mesma que entrou. Foi difícil  gerir todo o turbilhão de emoções que se geraram cá dentro, entre a raiva, a fúria, o enternecimento, o carinho, a vontade de fazer algo. Saí com uma certeza cimentada que, até ontem, era apenas uma vontade: eu hei-de adoptar uma criança. Eu hei-de contribuir para melhorar o mundo ou, pelo menos, o mundo de alguém...

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